Por Isabel Geane da Silva.
A demissão por justa causa nada mais é do que a penalidade máxima imposta ao empregado em virtude de falta grave, ou seja, comportamento que gera perda da confiança e torna insustentável a continuidade do contrato de trabalho.
A medida resulta na perda de direitos de rescisão do empregado, quais sejam: aviso prévio, férias proporcionais, 1/3 de férias, 13o salário, FGTS, multa de 40% e seguro-desemprego.
Em razão disso, a justa causa somente poderá ser aplicada em situações específicas, previstas no artigo 482 da CLT, vejamos:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
- a) ato de improbidade;
- b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
- c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- e) desídia no desempenho das respectivas funções;
- f) embriaguez habitual ou em serviço;
- g) violação de segredo da empresa;
- h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
- i) abandono de emprego;
- j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- l) prática constante de jogos de azar.
- m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
A fim de elucidar a letra da Lei, o presente artigo fará menção pormenorizada das hipóteses:
ATO DE IMPROBIDADE
Trata-se de conduta desonesta e perversa do empregado na qual abusa de confiança do empregador, na qual o se busca obter vantagens para si ou para outrem.
São exemplos comuns a falsificação de documentos e assinaturas bem como a ausência de prestação contas de quantias recebidas em nome empresa.
INCONTINÊNCIA DE CONDUTA OU MAU PROCEDIMENTO
A incontinência de conduta é o ato imoral do empregado que age de modo contrário às regras da civilidade.
São exemplos comuns os atos ligados à sexualidade, como o acesso a conteúdos de pornografia no ambiente de trabalho e a ofensa ao pudor.
Já o Mau Procedimento é caracterizado pelo comportamento gravemente inadequado do empregado.
São exemplos comuns a práticas desrespeitosas e ofensivas à dignidade dos demais colegas de trabalho, superiores ou clientes.
NEGOCIAÇÃO HABITUAL POR CONTA PRÓPRIA OU SEM PERMISSÃO DO EMPREGADOR
Ocorre quando o empregado, sem qualquer autorização, comete ato que resulta em concorrência com o empregador.
Um exemplo muito claro é o do trabalhador que coleta para si ou para outro, os clientes da empresa em que trabalha, ou ainda, resolve exercer concomitantemente uma atividade que resultará em prejuízos para o seu empregador.
CONDENAÇÃO CRIMINAL
Tendo o empregado uma condenação criminal já transitada em julgado, ou seja, decisão irrecorrível, tendo este que cumprir pena, poderá ser penalizado com justa causa.
DESÍDIA
A desídia costuma ser uma das hipóteses mais comuns de justa causa. Consiste na repetição de comportamentos negligentes como faltas injustificadas, atrasos, pouca produção, trabalho de má qualidade e desatenção às atividades. É importante ressaltar que o comportamento desidioso deve ser recorrente para ensejar a justa causa.
EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO
A justa causa por embriaguez é bastante complexa, uma vez que a embriaguez pode ser considerada como uma doença (dependência química).
A Lei ampara o empregador a demitir o empregado quando este apresentar embriaguez de forma habitual no ambiente de trabalho, no entanto, deve ser observada a razoabilidade, sendo que, se for caso de doença, o mais correto é afastar o empregado temporariamente de suas atividades para que se recupere enquanto realiza tratamento médico.
Porém, em casos de embriaguez não patológica, a justa causa será cabível, uma vez que a embriaguez coloca em risco a própria segurança do empregado e dos demais, além de certamente estar incapacitado de exercer sua atividade enquanto encontra-se neste estado.
VIOLAÇÃO AO SEGREDO DA EMPRESA
Neste caso o empregado, munido de má-fé, tornam públicas informações sigilosas da empresa, causando prejuízos ou riscos severos.
ATO DE INDISCIPLINA OU DE INSUBORDINAÇÃO
No geral, a justa causa por indisciplina ou de insubordinação estão ligadas a atos de desobediência.
Nos casos em que há desrespeito à normas internas, como regulamentos e circulares, fica caracterizada a indisciplina. Já nos casos em que o empregado descumpre as ordens dos seus superiores hierárquicos considera-se insubordinação.
ABANDONO DE EMPREGO
Nesta circunstância, o empregado falta de forma injustificada por 30 dias consecutivos, com o objetivo de não mais retornar ao seu trabalho.
Neste caso, é recomendado que a empresa envie ao empregado um telegrama comunicando o risco do desligamento por justa causa antes de aplicar a medida.
ATO LESIVO DA HONRA OU DA BOA FAMA PRATICADO NO SERVIÇO CONTRA: EMPREGADOR, SUPERIOR HIERÁRQUICO OU QUALQUER PESSOA
Ocorre quando o empregado, por meio de atos ou palavras expõe outro a ofensa à sua dignidade, ridiculariza, ou mesmo incita o desprezo de terceiros, bem como realiza comentários depreciativos e imputa a outros falsas condutas como nos casos de calúnia difamação e injuria.
OFENSAS FÍSICAS
A conduta de agressão física, tentada ou consumada, é passível de justa causa, sejam elas contra seus superiores, colegas de trabalho ou terceiros, desde que ocorridas no trabalho ou em razão do vínculo empregatício.
PRÁTICA CONSTANTE EM JOGOS DE AZAR
Considera-se jogo de azar aquele que o ganho e a perda dependam exclusiva ou principalmente da sorte. Como é sabido, os jogos de azar são proibidos por lei, enquadrados como uma Contravenção Penal.
Isto porque, a prática constante em jogos de azar pode levar um indivíduo a vícios e com isso, a praticar condutas desonestas e fraudulentas, que retiram a confiança necessária para a relação de emprego.
PERDA DA HABILITAÇÃO OU DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS EM LEI PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO
O empregado que possui requisitos específicos para o exercício da profissão deverá zelar para mantê-los, caso contrário, poderá ser penalizado com a justa causa.
Um exemplo clássico é o do empregado motorista que depende de sua CNH para exercer sua atividade. Neste caso, ter a sua CNH suspensa em razão de infrações de trânsito o impedirão de exercer regularmente sua profissão.
OUTRAS CONSIDERAÇÕES
O artigo 482 da CLT é um rol taxativo, o que significa que, para ensejar a justa causa, o empregado deve ter praticado alguma das condutas lá especificadas, não podendo o empregador aplicar a justa causa por outros motivos.
Além das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT mencionadas acima, existem ainda alguns requisitos cumulativos que devem ser observados pelo empregador, são eles:
- IMEDIATIDADE:
Não pode haver um longo transcurso de tempo entre a falta grave do empregado e a aplicação da justa causa, sob pena de haver punição tardia.
Isso porque, a ausência de penalidade imediata pode configurar o perdão tácito, ou seja, hipótese em que empregador resolve desconsiderar a conduta do empregado.
Recomenda-se que a rescisão por justa causa ocorra imediatamente após a constatação da falta grave, senão vejamos o entendimento pacificado dos tribunais:
RECURSO ORDINÁRIO. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE IMEDIATIDADE DA PUNIÇÃO. PERDÃO TÁCITO. I – A dispensa por justa causa, por ser penalidade máxima a ser imposta ao empregado, exige a plena convicção quanto à prática de falta grave e à medida punitiva a ser aplicada, cabendo ao empregador demonstrar, de modo irrefutável, por meio de provas robustas, a presença desses fatores. Imprescindível, ademais, que a punição seja aplicada de forma imediata, sob pena de ser reconhecido o perdão tácito do empregador, tornando inválida a resilição contratual. II – Na hipótese, a ré não observou o requisito da imediatidade, o que descaracteriza, de per si, a dispensa por justa causa. Recurso Ordinário a que se nega provimento, no ponto. (Processo: ROT – 0000420-22.2018.5.06.0021, Redator: Solange Moura de Andrade, Data de julgamento: 09/06/2021, Segunda Turma, Data da assinatura: 09/06/2021) TRT-6 – RO: 00004202220185060021, Data de Julgamento: 09/06/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 09/06/2021) –Grifo nosso.
- GRAVIDADE E PROPOCIONALIDADE:
Por ser a medida mais grave de punição por conduta faltosa, a justa causa deve ser aplicada de modo proporcional, ou seja, quando verificada falta realmente gravosa que enseja na quebra da confiança, alicerce indispensável na relação de trabalho.
Isso porque existem penalidades “mais leves” para faltas menos gravosas, como por exemplo a advertência verbal ou escrita e a suspensão.
Entretanto, deve o empregador sopesar o contexto, como os hábitos do local de trabalho, o grau de educação do empregado e outros elementos que se fizerem necessários, além de valer-se do bom senso.
A desproporcionalidade entre a falta cometida e a punição recebida pode ser reconhecida como rigor excessivo, vejamos o entendimento jurisprudencial:
JUSTA CAUSA. GRAVIDADE DA FALTA. Para efeito de aplicação da justa causa, é necessário que a falta seja grave o suficiente para tornar insustentável a continuidade da relação de emprego. (TRT-1 – RO: 00102848920155010551 RJ, Relator: ALVARO ANTONIO BORGES FARIA, Data de Julgamento: 24/03/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 06/04/2021) – Grifo nosso.
EMENTA RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. JUSTA CAUSA. PROPORCIONALIDADE DA PENA. DESCARACTERIZAÇÃO. A cessação da relação de emprego mediante falta praticada pelo empregado é pena máxima que necessita ser grave a ponto de justificar a dispensa, no que é de fundamental importância que seja levada em consideração a extensão (gravidade) da falta cometida, a ponto de ensejar a resolução do contrato de trabalho. Constatada, na hipótese, que a punição aplicada não foi proporcional à gravidade do ato praticado, há de ser reformada a decisão de primeiro que ratificou a justa causa aplicada pelo empregador como motivo da dispensa do reclamante. apelo provido em parte. ii. (TRT-19 – RO: 00001502420205190002 0000150-24.2020.5.19.0002, Relator: Luiz Carlos Monteiro Coutinho, Data de Publicação: 17/08/2020) – Grifo nosso.
- NON BIS IN IDEM:
É a proibição do empregador em punir o empregado duas vezes pela mesma conduta, afinal, a dupla punição também é desproporcional.
Exemplo disso, o empregado que falta injustificadamente e é advertido, mas logo em seguida é dispensado por justa causa.
Neste aspecto, vejamos o entendimento dos tribunais:
JUSTA CAUSA. NON BIS IN IDEM. A justa causa constitui a penalidade máxima que pode ser imputada ao empregado e, por isso, necessita ser comprovada de forma robusta. Havendo falta grave já punida pelo empregador por outro meio, como advertência ou suspensão, não pode ser também aplicada a justa causa, sob pena de bis in idem. (TRT-1 – RO: 01003283620165010482 RJ, Relator: MARCOS DE OLIVEIRA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 07/06/2017, Sexta Turma, Data de Publicação: 22/06/2017) –Grifo nosso.
Em linhas gerais, a situação fática deve ser minuciosamente analisada antes da aplicação da justa causa, observando atentamente se a conduta do empregado se encontra no artigo 482 da CLT, bem como, se estão presentes os demais requisitos de validade.
Para aquele que sofreu penalização sem justo motivo ou na ausência dos requisitos de imediatidade, gravidade, proporcionalidade e nos casos conduta duplamente punida, é cabível o ajuizamento de Reclamação Trabalhista para a reversão da medida.
CONCLUSÃO
A demissão por justa causa é a punição máxima em razão de uma falta grave, que retira direitos do empregado. Por isso, deve ser aplicada com atenção e proporcionalidade.
Vale lembrar que o empregado e o empregador possuem direitos e deveres. Assim, observar as regras de boa conduta é imprescindível para evitar a necessidade de intervenção do poder judiciário.