TRATAMENTO DO TEA E A NEGATIVA DE COBERTURA PELOS PLANOS DE SAÚDE

Por Victor Gois Saretti

Um contrato de plano de saúde nada mais é do que um negócio jurídico feito entre uma pessoa física e uma operadora de saúde para garantir tratamento médico na rede privada de saúde.

Desta forma, o plano de saúde contratado deve sempre atender à sua finalidade, qual seja, garantir o tratamento médico adequado ao cliente, que somente poderá rejeitar um tratamento quando este for expressamente excluído da cobertura contratual.

Contudo, a relação existente entre o plano de saúde e a pessoa é uma relação consumerista e incide nesse caso o Código de Defesa do Consumidor, quando então a interpretação das cláusulas contratuais devem ser feitas em prol do contratante beneficiário, a fim de garantir a sua saúde (art. 47, do CDC), e em observância à própria função social do contrato.

Existem casos em que o plano recusa a cobertura sob argumentos de: ausência de previsão contratual, que o tratamento pleiteado possui limitação de cobertura, ou mesmo, ausência de previsão no rol da ANS, especialmente em se tratando de tratamentos considerados alternativos ou paliativos pelas operadoras do plano.

Dentre esses casos de recusa de cobertura está o tratamento para Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, os tratamentos terapêuticos multidisciplinares, como a Terapia Pelo Modelo Comportamental De Análise Aplicada De Comportamento (ABA), terapia ocupacional com integração sensorial, fonoaudiologia, dentre tantos outros prescritos pelos médicos como sendo os mais adequados e eficientes no caso de pessoa com TEA.

Muitas vezes quando não há a recusa do tratamento pelo plano, as operadoras dos planos de saúde limitam o número de sessões.

No entanto, a recusa da operadora à cobertura das terapias prescritas por médico especialista que acompanha o paciente no tratamento, seja em decorrência de exclusão contratual, seja por não constar na tabela da ANS, ou mesmo a limitação de sessões, é inválida, ilegal, abusiva e viola a própria natureza do contrato.

Entendem alguns julgadores que se há o diagnóstico de autismo e a necessidade do segurado se submeter à terapia pelo método ABA e sensorial atestada por médico que o acompanha, e se o TEA está inserida no catálogo internacional de doenças, o respectivo tratamento deve ser integralmente coberto pelo plano de saúde contratado, nos exatos termos da prescrição médica, e sem limites de sessões, posto que se trata de uma doença crônica e o tratamento é contínuo, diferente quando se refere às terapias de reabilitação.

Também não cabe ao Poder Judiciário avaliar qualidade de atendimento médico, de modo que havendo indicação de credenciado habilitado, do ponto de vista técnico e não qualitativo, não há como impor à operadora que arque com despesas havidas fora da rede credenciada, exceto pela modalidade de reembolso e observando os limites contratuais, que não prevê a restituição integral dos valores despendidos pelo beneficiário.

Tanto é, que aqui em São Paula foram emitidas pelo Tribunal de Justiça duas Súmulas nesse sentido, a 96 e 102, que assim enunciam:

Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento”.

Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.

Havendo expressa prescrição médica do tratamento e a recusa por parte da operadora do plano de saúde, e não sendo possível a resolução na via administrativa da questão perante a operadora do plano por meio de um acordo, o interessado tem que se valer do judiciário para conseguir a cobertura do tratamento.

Nesses casos, impõe-se uma ação de obrigação de fazer perante o judiciário para obrigar o plano a cobrir o tratamento nos moldes como prescrito pelo médico, não havendo se falar em limitação do número de sessões.

Nesse tipo de ação é requerido em sede liminar o deferimento da chamada tutela antecipada de urgência, em que a operadora é obrigada a prestar a cobertura logo no início do processo, não sendo necessário que a parte aguarde até uma decisão definitiva de mérito em um processo que pode durar anos.

Portanto, se há prescrição expressa médica para que o beneficiário receba tratamento por equipe multidisciplinar, pelo método ABA, ou qualquer outro à criança portadora da TEA, não importa o número de sessões prescritas, e havendo a recusa do plano de saúde na cobertura do tratamento, o interessado deve procurar um advogado de sua confiança para pleitear perante o judiciário que a operadora seja obrigada a oferecer o tratamento prescrito.

Acontece também, muitas vezes, que a rede credenciada junto ao plano de saúde contratado sequer dispõe de clínicas ou profissionais especializados no tratamento prescrito pelo médico para pessoa com TEA. Nesse caso, a pessoa pode procurar uma clínica de sua confiança e posteriormente solicitar o reembolso integral junto a operadora de seu plano, e em caso de recusa, o interessado também pode se valor do judiciário para tanto.

Cumpre esclarecer que se a rede credenciada junto ao plano dispor de clínicas ou profissionais que oferecem o tratamento prescrito pelo médico, a parte não pode escolher uma clínica não conveniada para efetuar o tratamento, a menos que seja um caso muito específico e restar comprovada esta necessidade. Contudo, se após a disponibilização na rede credenciada o segurado optar por profissionais fora da rede credenciada, sujeitar-se-á aos limites contratuais, não havendo se falar me reembolso integral.

Portanto, em caso de não dispondo a operadora na rede credenciada de clínicas ou profissionais que atendam as necessidades do segurado, e até que ofereça o método e terapia prescritos, deve ela arcar integralmente com os custos do tratamento.

No que tange ao dano moral decorrente da negativa de cobertura para o tratamento de TEA, o judiciário também não costuma reconhecer a sua existência, a menos que haja comprovação efetiva de um dano decorrente dessa recusa, em que pese constar de alguns julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo que a recusa da cobertura gera um dano ao consumidor.

Conclui-se daí que havendo prescrição médica do tratamento, o número de sessões necessárias e estando a família da criança com TEA de acordo com o tratamento prescrito pelo médico, o plano não pode negar a cobertura ou mesmo limitar o número de sessões.

Em havendo no contrato cláusula nesse sentido, esta restará afastada pelo judiciário, dada a sua abusividade, a natureza consumerista da relação e por se tratar de contrato de adesão em que o consumidor não pode discutir os seus termos ou suas cláusulas.

Nesse sentido:

Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde. Autor que é portador de “Transtorno do Espectro Autista” (CID10 – F84.0). Negativa de cobertura para seu tratamento. Ré que alega ausência de previsão no rol da ANS. Abusividade ora reconhecida. Incidência das Súmulas 96 e 102 deste Tribunal de Justiça. Pretendida limitação quanto ao número de sessões prescritas pelo profissional médico que, da mesma forma, é abusiva. Sentença reformada. Sucumbência invertida. Recurso provido. (TJSP;  Apelação Cível 1002644-95.2019.8.26.0368; Relator (a): João Pazine Neto; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Alto – 2ª Vara; Data do Julgamento: 25/06/2020; Data de Registro: 25/06/2020)

APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Pedido de equipe multidisciplinar ao autor que comprovadamente sofre de Transtorno do Espectro Autista. Sentença de procedência, condenando a ré a fornecer o tratamento pleiteado, sob pena de multa diária de R$ 500,00, sem custas e honorários advocatícios. PRELIMINARES AFASTADAS. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO. Amparo à saúde. Direito público subjetivo e de absoluta prioridade assegurados à criança e ao adolescente pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela lei nº 8.080/90. Imposição que não caracteriza ingerência indevida do Poder Judiciário na Administração Pública. Solidariedade dos entes federativos. Súmulas 37, 65 e 66 deste Eg. Tribunal de Justiça. Dever de assistência da Administração. Comando normativo de execução obrigatória. Não cabe justificativa de não fornecimento em razão de restrição orçamentária. Proteção integral e preferencial à criança e ao adolescente prevista expressamente no ECA. Não compete ao Poder Judiciário a modificação do receituário prescrito. Impossibilidade de substituição do tratamento prescrito pelo médico do menor. Precedentes desta C. Câmara. TEMA 106 do C. STJ. Não incidência. Redução do valor da multa arbitrada para R$ 200,00, limitado a R$ 25.000,00. Razoabilidade e proporcionalidade. Reforma da r. sentença neste ponto. Observação ao julgado. Remessa necessária parcialmente provida e recurso de apelação não provido, com observação.
(TJSP;  Apelação Cível 1002136-77.2019.8.26.0004; Relator (a): Lidia Conceição; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Regional IV – Lapa – Vara da Infância e da Juventude; Data do Julgamento: 25/06/2020; Data de Registro: 25/06/2020)

Apelação – Plano de Saúde – Ação de Obrigação de Fazer – Paciente portador de Transtorno do Espectro Autista – Necessidade de tratamento com método ABA – Parcial Procedência – Insurgência – Limitação contratual das sessões – Impossibilidade – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – Tratamento indicado por médico responsável pelo atendimento da criança – Atenção ao princípio da boa-fé objetiva que norteia a relação jurídica entre as partes – Aplicação da Súmula 102 deste Tribunal – Entendimento jurisprudencial deste Tribunal – Reembolso nos termos do contrato – Ausência de interesse recursal – Sentença que concedeu o quanto pretendido pela Apelante – Multa que apresenta valor adequado aos fins a que se destina – Honorários advocatícios – Redução – Sentença parcialmente reformada – Recurso parcialmente provido.
(TJSP;  Apelação Cível 1016527-39.2019.8.26.0068; Relator (a): Luiz Antonio Costa; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2020; Data de Registro: 25/06/2020)

PLANO DE SAÚDE – Menor com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista – Cerceamento de defesa – Inexistência – Interesse de agir inequívoco – Indicação de tratamento médico multidisciplinar pelo método ABA e psicomotricidade aquática – Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS – Sumula 102 do TJSP – Método ABA de tratamento específico necessário para conferir melhor qualidade de vida e desenvolvimento ao autista, o que não pode ser obtido pelo fornecimento de profissionais sem interação e experiência sobre o autismo – A técnica de psicomotricidade aquática é reconhecida pela literatura médica como eficiente e necessária no tratamento de crianças autistas, pois permite que os indivíduos com TEA tenham desenvolvimento no seu comportamento social, comunicação e diminuem sua irritabilidade, e consigam se comunicar melhor e obter maior independência, fazendo com que sejam capazes de executar atividades funcionais – Obrigatoriedade de custeio integral se não for disponibilizado o tratamento prescrito na rede credenciada – Dano moral – Não ocorrência – Recurso provido em parte.
(TJSP;  Apelação Cível 1024755-73.2019.8.26.0562; Relator (a): Alcides Leopoldo; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/06/2020; Data de Registro: 23/06/2020)

                        Nessa linha é certo que os tratamentos prescritos devem ser cobertos pelo Plano de Saúde.

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