Nos casos em que a Caixa Econômica Federal (CEF) omitir do mutuário algum aspecto essencial ao negócio jurídico de que tinha ciência, é cabível a rescisão de contrato de venda direta de imóvel com financiamento. Foi com base nesse entendimento que a 6ª Turma Especializada do TRF2 confirmou a decisão de primeira instância que havia determinado a anulação do contrato de compra de um imóvel adquirido em leilão realizado pela Caixa.
Tudo começou quando os autores compraram um apartamento localizado no Município de Nova Iguaçu e firmaram contrato com a CEF. Nele, os compradores reconheciam ter ciência de que o imóvel estava ocupado, e chegaram a ingressar com uma ação de imissão na posse contra os então ocupantes. Ocorre que esse processo foi interrompido depois que esses ocupantes propuseram uma ação de usucapião especial urbano em face da CEF.
Como consequência, os compradores tiveram que continuar pagando a prestação mensal, sem, contudo, poder residir no imóvel que financiaram.
Eles acabaram procurando a Justiça Federal a fim de anular o contrato e recuperar o dinheiro já investido. No caso, obtiveram êxito nas duas instâncias.
No entendimento do magistrado de primeiro grau, confirmado no TRF2, apesar de os compradores terem plena consciência do ônus gerado pela compra de um imóvel ocupado, já que ficariam a seu cargo os meios para desocupação, eles não tiveram acesso a todas as informações sobre a especificidade da posse exercida pelos ocupantes do apartamento que estavam adquirindo.
Na decisão, foi considerada informação fundamental a ser fornecida pela CEF, por exemplo, o fato de o imóvel encontrar-se ocupado desde 1992, em posse pacífica, sem qualquer oposição da CEF. Tal situação foi comprovada pela apresentação, nos autos do processo de usucapião, de cópias de conta de energia elétrica, de carnês do IPTU e de documentos relativos ao condomínio do imóvel, todos em nome dos ocupantes.
Diante dessa situação, o relator do processo no TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon, considerou que a CEF quebrou a boa-fé contratual entre as partes, uma vez que não observou seu inato dever de informação, ampla e qualificada. “Ressalto que o dever de informar, decorrente do simples ato de contratar, adquire maior força no caso concreto, tendo em vista o notório déficit informacional do autor em relação ao banco réu. É presumível que este possua conhecimento técnico acerca das possíveis intempéries e particularidades inerentes ao serviço que se propõe a prestar. Sendo assim, assume a obrigação de informar, de forma clara e específica, qualificada, acerca da existência de situações que obstem o pleno gozo do serviço adquirido. Trata-se de dever jurídico oriundo da boa fé objetiva, e não somente da aplicação do CDC”, pontuou Calmon.
“Nesse contexto, a responsabilidade da ré (CEF) torna-se evidente, como bem destacado na sentença, eis que omitiu aspecto essencial ao negócio, (…), qual seja, a informação clara acerca da natureza da ocupação dos terceiros sobre o imóvel, esclarecendo o tempo da existência dessa situação, nota esta fundamental, uma vez que os autores desconheciam a hipótese que impediria o pleno exercício de seu direito de propriedade. Ora, a mera comunicação lançada no Edital de Concorrência acerca do fato de estar o imóvel ocupado não é suficiente para esclarecer ao leigo a extensão das dificuldades que pode enfrentar para desocupação do mesmo”, acrescentou o relator.
Considerando este panorama, o desembargador concluiu que a boa-fé contratual entre as partes foi quebrada. “Com efeito, há de ser reconhecido o direito da parte (mutuários) a não mais se submeter aos efeitos do contrato entabulado com a parte ré (CEF), bem como seu direito de repetir os valores pagos pela coisa (art. 447 e 449 do Código Civil). (…) a parte autora faz jus ao recebimento de toda a quantia efetivamente paga, acrescida dos juros legais e da correção monetária, já que não foi possível usufruir do bem”, finalizou Guilherme Calmon.
Processo: 0000139-32.2014.4.02.5120
Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região