USUCAPIÃO ESPECIAL POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL

Por Edilene Pereira de Andrade

Nos termos do artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Contudo, esse direito deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais, de modo a preservar, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, além de evitar poluir o ar e as águas, sendo proibidos atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade e que tenha por intenção prejudicar outrem.

O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

Verifica-se assim que a usucapião não é uma modalidade que visa privar o titular da coisa, mas sim conferir ao possuidor o direito de propriedade e direitos reais sobre um bem.

São várias as modalidades de usucapião, mas no presente artigo abordaremos a usucapião por abandono do lar somente.

Em que consiste a usucapião familiar?

A Lei 12.424 de 2011 incluiu ao Código Civil o artigo 1240-A, que assim prescreve: “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”.

Extrai-se do conteúdo acima que usucapião familiar ou mais apropriadamente, usucapião por abandono do lar, é um instituto que exige para a sua caraterização a copropriedade do imóvel entre os cônjuges, sendo que a prescrição aquisitiva dar-se-á sobre a fração ideal daquele que vier a abandonar o lar, observando-se a metragem máxima do imóvel de 250 m2.

A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio.

Preleciona José Fernando Simão que: “Não se admite usucapião de imóvel que não seja de propriedade dos cônjuges ou companheiros. Assim, se um casal invadiu um bem imóvel urbano de até 250 m2, reunidos todos os requisitos para a aquisição da propriedade (seja por usucapião extraordinária, seja por usucapião constitucional), ainda que haja abandono por um deles do imóvel, por mais de 2 anos, o direito à usucapião será de ambos e não de apenas daquele que ficou com a posse direta do bem.[1]

Além disso, exige-se que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural,  exercendo posse mansa e pacífica exclusiva sobre o bem, em virtude do abandono promovido pelo seu cônjuge, por mais de dois anos.

Posse mansa e pacífica: durante o prazo de posse (de dois anos) determinado como período aquisitivo, a posse não pode ser contestada pelo marido ou companheiro, ainda que tenha abandonado o lar;

Lapso temporal: a posse deve ser exercida sobre a totalidade do imóvel, durante o prazo de dois anos;

Coisa hábil (res habilis): o imóvel a ser usucapido, assim como na usucapião constitucional urbana, deve ser urbano, utilizado para moradia do cônjuge abandonado ou dele e de sua família e não pode ultrapassar 250 m2 de área total, nos exatos termos que tratamos na hipótese da usucapião constitucional urbana; e,

Animus domini especial (intenção de se tornar dono): o possuidor deve agir com ânimo de dono em relação ao imóvel que pretende usucapir, nele residindo e, ademais, não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.

Ser coproprietário do imóvel: a pessoa com a intenção de usucapir deve ter a propriedade da parte ideal do bem pelo cônjuge que permaneceu no imóvel, a posse comum do bem não serve como substrato para a usucapião, tão pouco em se tratando de imóvel de propriedade de somente uma parte do casal.

Utilizar o imóvel para sua moradia ou moradia de sua família: o imóvel deve estar sendo utilizado como única moradia da pessoa com a intenção de usucapir ou para a moradia da entidade familiar abandonada.

O abandono que dá ensejo a usucapião familiar não se confunde com a mera ausência de coabitação.

O casamento impõe o dever de coabitação que, se violado, é causa suficiente para que o interessado postule a extinção do vínculo do casamento, mas não se equipara ao abandono do lar. O abandono do lar é algo mais específico e consiste no descumprimento do dever de cuidado para com a família, deixando o cônjuge, por exemplo, de prestar alimentos, de visitar os filhos comuns, e não significa mera ausência do exercício da posse direta do bem imóvel que servia de residência do casal.

O abandono aqui, na verdade, diz respeito à falta de tutela da família, depois do divórcio ou da separação de fato do casal. É o caso do cônjuge ou companheiro que não presta alimentos, nem visita os filhos e se desliga totalmente da entidade familiar, não apenas da posse direta do imóvel, mas também do contato com seus familiares.

O abandono do lar somente se configura com a saída voluntária do domicílio do casal, somada ao encerramento da comunhão de desígnios e se configura com a ausência de tutela patrimonial para com o imóvel e a família.

Verifica-se assim que a usucapião por abandono do lar é aplicada tanto nos casos de união estável como nos casos de casamento e é um direito que pode ser exercido tanto pela mulher quanto pelo homem abandonado, inclusive casais homoafetivos.

A saída de um dos cônjuges ou conviventes por motivos alheios à sua vontade não pode ser caracterizada como abandono de lar, assim entenda-se que a internação, a mudança de cidade por motivos profissionais, por exemplo, não podem, ser taxadas de abandono de lar, dada a ausência da voluntariedade e da intenção de abandono da entidade familiar.

Logo, conclui-se que essa modalidade de usucapião visa dá proteção ao cônjuge ou companheiro que foi abandonado, ou mesmo a família abandonada, mas que se mantém no lar, exercendo todos dos direitos e deveres sobre o bem. Para fazer jus a este direito, a parte interessada deve demonstrar o abandono do lar pelo outro cônjuge ou companheiro, o transcurso do prazo de 02 (dois) anos após o abandono, bem como, comprovar que é coproprietário do bem que pretende usucapir e que não é proprietário de nenhum outro imóvel, rural ou urbano, além disso, deve-se respeitar a metragem de até 205m² do imóvel.

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